14 de janeiro de 2013

Contra Vigilâncio:: Escritos de São Jerônimo – Capítulo 6


Coloco aqui mais um capítulo dos discursos de São Jerônimo contra Vigilâncio. Neste começaremos a ler o embate entre São Jerônimo e Vigilâncio. São Jerônimo irá nos “armar” de argumentos contra os vigilâncios atuais.

Capítulo VI

Você diz que as almas dos Apóstolos e mártires residem no seio de Abraão, ou num lugar de refrigério, ou sob o altar de Deus e que eles não podem viver em seus próprios túmulos e estarem presentes onde quiserem. Eles são, ao que parece, da classe senatorial e não estão sujeitos aos piores tipos de cárcere, nem à sociedade de assassinos, mas são mantidos em separado, sob custória honorífica e liberal nas abençoadas ilhas dos Campos Elíseos. Irá você agora estabelecer a lei para Deus? Irá você agora acorrentar os Apóstolos? Então ficarão eles confinados até o Dia do Julgamento e não estarão com o seu Senhor, embora esteja escrito a respeito deles: “Eles seguem o Cordeiro para qualquer lugar que Ele for” (Apocalipse 14,4). Ora, se o Cordeiro está presente em todo lugar, o mesmo devemos acreditar acerca destes que estão com o Cordeiro. E embora o diabo e os demônios vagueiem por todo o mundo e com tamanha velocidade eles mesmos se movem por todo lugar, estariam os mártires, após derramarem o seu sangue, sendo mantidos confinados em algum lugar de onde não poderiam escapar? Você afirma, em seu panfleto, que enquanto estamos vivos podemos orar uns pelos outros, mas que, quando morremos, a oração de uma pessoa não poderá favorecer outra qualquer; e isto em razão dos mártires, embora eles possam pedir pela vingança de seu sangue, o que, porém, nunca lhes será atendido (Apocalipse 6,10). Se os Apóstolos e mártires, enquanto estão no corpo, podem orar pelos outros, ainda quando se encontram inquietos por si mesmos, quanto mais deverão fazer após terem recebido suas coroas, vencido e triunfado? Um simples homem, Moisés, obteve o perdão de Deus para seiscentos mil homens armados; e Estêvão, seguidor de seu Senhor e o primeiro mártir cristão, implorou o perdão para seus perseguidores; e quando eles entraram na Vida com Cristo, acabaram tendo menos poder do que antes? O Apóstolo Paulo diz que 272 almas foram entregues a ele no navio (Atos 27,37); e após sua dissolução (=morte), quando ele começou a estar com Cristo, deveria ele calar a sua boca e ser incapaz de dizer uma só palavra em favor daqueles que em todo o mundo creram no seu Evangelho? Para Vigilâncio, seria um cachorro vivo melhor que Paulo, o leão morto? Estaria eu certo em seguir o Eclesiastes se admitisse que Paulo está morto em espírito… Mas a verdade é que os santos não são chamados de “mortos”; acerca deles dizemos que estão dormindo. Por isso, diz-se de Lázaro – que estava para ser ressuscitado – que tinha dormido (João 11,11). E o Apóstolo proíbe os tessalonicenses de se preocuparem com aqueles que dormiram. Você (Vigilâncio), que está dormindo acordado e dorme quando escreve, me aponta um livro apócrifo que, sob o nome de Esdras, é lido por você e por aqueles loucos que o escutam, e nesse livro está escrito que após a morte ninguém se atreve a orar pelos outros. Eu nunca li esse livro, mas qual a necessidade de lê-lo se a Igreja não o recebeu? Provavelmente a sua intenção real é de me confrontar com Bálsamo, Barbélio e o Tesouro dos maniqueus, além daquele que traz o ridículo nome de Leusiboras. Talvez porque você vive aos pés dos [montes] Pirineus, no limite da Ibéria, acaba seguindo as “incríveis maravilhas” do antigo herege Basílides e seu assim chamado “conhecimento” – o qual é simples ignorância – e que foi condenado pela autoridade de todo o mundo. Eu afirmo isto porque em seus breves tratados você cita Salomão como se ele concordasse contigo, porém Salomão jamais escreveu tais palavras; então, da mesma forma que você possui um segundo Esdras, tem também um segundo Salomão. E se você gostar, pode ler ainda as revelações imaginárias de todos os patriarcas e profetas; e quando você tiver aprendido todas elas, poderá cantá-las entre as mulheres nas tecelagens, ou ordenar que sejam lidas nas suas tavernas, pois é mais fácil assim que essas canções melancólicas estimulem o povo ignorante a encher novamente as canecas.

( Tradução: José Fernandes Vidal e Carlos Martins Nabeto – Central de Obras do Cristianismo Primitivo)

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